sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O militante imaginário


Ele se considera superior a todos nós, reacionários e caretas

Por Arnaldo Jabor
20/09/2016

O que é o “militante imaginário?” O filósofo José Arthur Giannotti criou essa expressão e eu a achei perfeita. O “militante imaginário” é o sujeito que se acha revolucionário, mas nunca fez nada pelo povo. Chamemo-lo de MI. É-se militante imaginário como se é Flamengo ou Corinthians. Agora, nesta grande crise de mutação que vivemos, pululam militantes imaginários.
O MI se julga em ação, só que não se mexe. Ele é a favor de um Bem que não conhece bem. O que é o “Bem” para ele, o nosso militante imaginário?
Para o MI de hoje o “Bem” é uma mistura de crenças ideológicas que nos levariam a um futuro de felicidade. A mente de um MI é um sarapatel de leninismo vulgar, socialismo populista, subperonismo, vagos ecos getulistas e um desenvolvimentismo tosco.
Eles gostam de ser militantes porque é bonito ser de uma vaga esquerda enobrecedora; ela abriga, como uma igreja, muitos tipos de oportunismo ideológico. São professores universitários, intelectuais sem assunto, jovens sem cultura política e até mesmo os black blocs que já são tolerados e viraram uma espécie de “guarda revolucionária” dos militantes.
Existem vários tipos de militantes imaginários.
Há o militante de cervejaria, de estrebaria e de enfermaria. Bêbados, burros e loucos.
O MI é um revolucionário que não gosta de acordar cedo. É muito chato ir para porta de fábrica panfletar.
O militante verdadeiro, puro, escocês, só gosta de teorias. A chamada “realidade” atrapalha muito com suas vielas e becos sem saída. Os MIs odeiam a complexidade da realidade brasileira, porque eles aspiram a um absoluto social num mundo relativo; eles querem um Brasil decifrado por três ou quatro slogans.
A grande paixão do MI é a certeza. “Dúvida” é coisa de burguês reacionário, frescura social-democrata ou neoliberal. O MI só pensa no futuro; odeia o presente com suas complicações, idas e vindas. O militante odeia meios; só tem fins.
Para o MI, o presente é chato. O futuro é melhor porque justifica qualquer fracasso: “falhamos hoje, mas isso é apenas uma contradição passageira na marcha para a grande harmonia que virá!” E, quanto mais fracassos, mais fé. O MI perde o poder, mas não perde a pose e a fé. A cada uma de suas frequentes derrotas, mais brilha sua solidão de “vítima” do capitalismo. Aliás, ser “contra” o capitalismo justifica tudo e garante uma respeitabilidade reflexiva. E hoje, como o comunismo está inviável, os MIs lutam pela avacalhação do que já existe, pois não têm nada para botar no lugar.
O MI é uma espécie de herói masoquista, pois tem o charme invencível do derrotado que não desiste.
Os MIs são em geral românticos, são até bons sujeitos, mas são meio burros.
Há até MIs cultíssimos, eruditos; porém, burros. Eles não veem o óbvio, porque o óbvio é muito óbvio. Acham que a verdade só existe escondida nas nervuras do real.
Depois de 13 anos de erros sucessivos, quando o PT abriu as portas para o presidencialismo de corrupção, houve o impeachment. Foram longos meses de cuidados constitucionais até a conclusão. O STF, o Congresso, a OAB, a PGR, todos consagraram rituais institucionais corretos.
Mas não adianta; depois de pixulecos e panelaços, começou a gritaria de “golpe, golpe” e refloriu a primavera dos militantes imaginários que estavam meio arredios, acuados. A desgraça é que eles insistem nas dualidades ideológicas, quando o problema do Brasil é contábil. É a economia, estúpidos! — como disse Carville.
Hoje eles estão pululando e gritando “Fora Temer”; até sem saber por quê.
Não importa se dilmistas e petistas tenham arrasado o país, jogando-o na maior depressão da história; o que importa para os MIs é que, mesmo arrebentando tudo, eles portavam a bandeira mágica da revolução imaginária que tudo justifica. Espanta-me a frivolidade desses protestos abstratos. Os MIs não se permitem nem alguns meses da esperança de que se consertem as contas públicas; destruíram-nas e não deixam consertá-las.
O militante imaginário se considera superior a todos nós, reacionários e caretas.
O MI é uma alegoria de si mesmo; ele não é apenas um indivíduo — ele é mais do que isso, ele é o autodeclarado embaixador do povo. O militante imaginário se considera o sujeito da História, o cara que vai mudar o rumo do erro; enquanto isso, a direita sabe que a História não tem sujeito; só objeto (no caso o lucro).
Eles lutam pelo passado. São regressistas com toques sebastianistas de paz no futuro e glória no passado. Eles têm uma espécie de saudade de um mundo que já foi bom. Quando foi bom? Durante as duas guerras, no stalinismo, quando?
Ou seja, eles têm saudade de um tempo em que se achava que o mundo poderia vir a ser bom... É a saudade de uma saudade.
O MI acha que o mundo se divide em esquerda e direita — em opressores e oprimidos. Qualquer outra categoria é instrumento dos reacionários. O MI detesta contas, safras de grãos, estatísticas, tudo aquilo que interessa à velha direita. Por isso, ela ganha sempre.
O militante imaginário não pode ser confundido com o patrulheiro ideológico. Esse vigia os desvios dos outros. O MI brilha como um exemplo a ser seguido. O MI só ama o todo.
Enquanto a direita só ama a “parte” (sua, claro), o MI nunca leu “O Capital”; a direita também não, mas conhece o enredo. O MI vive falando em “democracia”, mas não acredita nela. Como sempre, os MIs só defendem a democracia como estratégia (“a gente apoia e depois esquece...”) .
Ultimamente, os MIs andam eufóricos — não precisam mais governar e outras chateações administrativas. Agora, estão na doce condição de vítimas. E por aí vão, se enganando, se sentindo maravilhosos guerreiros com “boa consciência”, enquanto contribuem para a paralisia brasileira. É isso aí...
O MI me lembra uma frase de Woody Allen que adoro:
“A realidade não tem sentido, mas ainda é o único lugar onde ainda se pode comer um bom bife”.

O MI não quer bife.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Violência contra Cristãos ressurge no Egito

do New York times
POR ROD NORDLAND
SETEMBRO 16, 2016
Restos de uma capela incendiada em Ismaília; tensão entre cristãos e muçulmanos cresce no Egito (Khaled Desouki/Agence France-Presse — Getty Images)  

MINIA, Egito — O governo egípcio nomeou recentemente o imã Mahmoud Gomaa para manter a paz entre cristãos e muçulmanos em uma parte do Alto Egito.
“Está tudo bem”, insistiu ele, citando a participação dos cristãos na sua iniciativa oficial de pacificação. Mas, poucas horas depois, o bispo local, Makarios, manifestou uma visão bem diferente. “Não tenho nada a ver com Mahmoud Gomaa”, disse.

Mais uma vez, os cristãos egípcios estão se sentindo sitiados, pelo menos em Minia, uma cidade às margens do Nilo onde cerca de 40% da população é cristã. E, mais uma vez, os líderes cristãos estão divididos sobre como reagir.
Há nos altos escalões da Igreja Ortodoxa Copta um esforço de colaborar com o governo nacional para transmitir uma imagem de unidade. Após uma série de ataques contra os coptas nos últimos meses, o papa copta, Tawadros 2º, pediu a seus seguidores nos Estados Unidos que evitem fazer protestos para chamar a atenção internacional para a violência.
Mas, em Minia, onde a violência contra os cristãos muitas vezes se inflama, os líderes coptas locais relutam em se manter passivos. “Estamos num ponto de ruptura”, disse o bispo Makarios. “As pessoas não aguentam mais.”

A comunidade cristã do Egito, estimada em 10% da população nacional, manteve durante muito tempo uma relação simbiótica com o Estado. O governo proporcionava segurança num ambiente cada vez mais hostil, e a liderança cristã ajudava a mostrar ao Ocidente uma faceta de tolerância e liberdade religiosa.

Esse pacto se esgarçou nos últimos anos do regime de Hosni Mubarak e parecia ter se desfeito quando o ditador foi derrubado e substituído por um presidente islamita eleito pelo voto popular, Mohammed Mursi. Os ataques a igrejas, liderados por jovens islâmicos, cresceram.
Por isso, quando o general Abdel Fattah al-Sisi depôs Mursi e ocupou a Presidência, em 2013, a Igreja Copta estava entre seus maiores apoiadores. Em janeiro de 2015, Sisi participou das celebrações do Natal copta e foi elogiado por ser o primeiro líder egípcio a fazê-lo.
Mas os limites desse apoio ficam evidentes em Minia, onde os cristãos continuam a sofrer violência e humilhações. Casas foram queimadas, coptas foram atacados nas ruas, e pichações de ódio foram pintadas nas paredes de algumas igrejas. As autoridades coptas contabilizaram 37 ataques nos últimos três anos, sem incluir cerca de 300 outros logo depois da deposição de Mursi e da sua Irmandade Muçulmana, em 2013.

O ponto de inflexão para os coptas locais ocorreu em maio, quando uma cristã idosa teve as roupas arrancadas por uma multidão, incitada pelos rumores de que o filho da mulher estava em um relacionamento com uma muçulmana.
“Depois que aquela mulher foi desnudada, não podíamos mais ficar quietos — não depois disso”, afirmou o bispo Makarios. O que mais irritou os coptas, segundo ele, “foi que as autoridades vieram negar o incidente”.

“Se tivessem se desculpado ou dito que investigariam o caso seria diferente, mas isso foi um insulto ao Egito e às mulheres do Egito”, acrescentou.
Não só a moça muçulmana não se relacionava com o filho da mulher atacada como, segundo o bispo, está processando o próprio marido por injúria, acusando-o de ter criado o boato.
Para o imã Gomaa, os ataques em Minia resultam de pequenas disputas que por acaso contrapuseram cristãos e muçulmanos. “Ninguém morreu”, disse ele. “Ninguém nem sequer se feriu. Não há conflito. O problema é com os jornalistas que ficam escrevendo sobre isso.”
Na verdade, segundo o bispo, houve mortes. Em julho, na aldeia de Tahna al-Jabal, cerca de Minia, um cristão foi assassinado a facadas por uma turba, disse Makarios. Um mês antes, no Sinai, um padre foi morto por extremistas do Estado Islâmico, tornando-se a nona vítima copta da violência dessa milícia terrorista no norte do Sinai.
Um suspeito foi preso pelo esfaqueamento, mas, para o bispo, deverá ser libertado, a julgar pelo padrão visto após outros ataques contra cristãos.
“Em ataques como esses, todos são soltos, nem um só [agressor] foi punido até agora, e isso é que realmente perturba os coptas. Enquanto ninguém for punido, isso só vai piorar.”
Os coptas também se queixam de que estão sendo proibidos pela polícia de abrir novas igrejas, devido a supostas razões de segurança.
Em Ismaília, os coptas foram orientados pelas autoridades a rezar numa tenda, mas essa tenda recentemente foi incendiada. Dois rapazes acusados de atear fogo ao local foram libertados.
“A polícia diz que as igrejas não podem abrir por preocupação com a segurança?”, disse Abram Samir, funcionário laico da igreja. “É responsabilidade deles me proteger e me deixar exercer meus direitos.”


Nour Youssef colaborou na reportagem