Ele se considera superior a todos nós, reacionários e
caretas
Por Arnaldo Jabor
20/09/2016
O que é o “militante imaginário?” O filósofo José Arthur
Giannotti criou essa expressão e eu a achei perfeita. O “militante imaginário”
é o sujeito que se acha revolucionário, mas nunca fez nada pelo povo.
Chamemo-lo de MI. É-se militante imaginário como se é Flamengo ou Corinthians.
Agora, nesta grande crise de mutação que vivemos, pululam militantes
imaginários.
O MI se julga em ação, só que não se mexe. Ele é a favor de
um Bem que não conhece bem. O que é o “Bem” para ele, o nosso militante
imaginário?
Para o MI de hoje o “Bem” é uma mistura de crenças
ideológicas que nos levariam a um futuro de felicidade. A mente de um MI é um
sarapatel de leninismo vulgar, socialismo populista, subperonismo, vagos ecos
getulistas e um desenvolvimentismo tosco.
Eles gostam de ser militantes porque é bonito ser de uma
vaga esquerda enobrecedora; ela abriga, como uma igreja, muitos tipos de
oportunismo ideológico. São professores universitários, intelectuais sem
assunto, jovens sem cultura política e até mesmo os black blocs que já são
tolerados e viraram uma espécie de “guarda revolucionária” dos militantes.
Existem vários tipos de militantes imaginários.
Há o militante de cervejaria, de estrebaria e de enfermaria.
Bêbados, burros e loucos.
O MI é um revolucionário que não gosta de acordar cedo. É
muito chato ir para porta de fábrica panfletar.
O militante verdadeiro, puro, escocês, só gosta de teorias.
A chamada “realidade” atrapalha muito com suas vielas e becos sem saída. Os MIs
odeiam a complexidade da realidade brasileira, porque eles aspiram a um
absoluto social num mundo relativo; eles querem um Brasil decifrado por três ou
quatro slogans.
A grande paixão do MI é a certeza. “Dúvida” é coisa de
burguês reacionário, frescura social-democrata ou neoliberal. O MI só pensa no
futuro; odeia o presente com suas complicações, idas e vindas. O militante
odeia meios; só tem fins.
Para o MI, o presente é chato. O futuro é melhor porque
justifica qualquer fracasso: “falhamos hoje, mas isso é apenas uma contradição
passageira na marcha para a grande harmonia que virá!” E, quanto mais
fracassos, mais fé. O MI perde o poder, mas não perde a pose e a fé. A cada uma
de suas frequentes derrotas, mais brilha sua solidão de “vítima” do
capitalismo. Aliás, ser “contra” o capitalismo justifica tudo e garante uma
respeitabilidade reflexiva. E hoje, como o comunismo está inviável, os MIs
lutam pela avacalhação do que já existe, pois não têm nada para botar no lugar.
O MI é uma espécie de herói masoquista, pois tem o charme
invencível do derrotado que não desiste.
Os MIs são em geral românticos, são até bons sujeitos, mas
são meio burros.
Há até MIs cultíssimos, eruditos; porém, burros. Eles não
veem o óbvio, porque o óbvio é muito óbvio. Acham que a verdade só existe
escondida nas nervuras do real.
Depois de 13 anos de erros sucessivos, quando o PT abriu as
portas para o presidencialismo de corrupção, houve o impeachment. Foram longos
meses de cuidados constitucionais até a conclusão. O STF, o Congresso, a OAB, a
PGR, todos consagraram rituais institucionais corretos.
Mas não adianta; depois de pixulecos e panelaços, começou a
gritaria de “golpe, golpe” e refloriu a primavera dos militantes imaginários
que estavam meio arredios, acuados. A desgraça é que eles insistem nas
dualidades ideológicas, quando o problema do Brasil é contábil. É a economia,
estúpidos! — como disse Carville.
Hoje eles estão pululando e gritando “Fora Temer”; até sem
saber por quê.
Não importa se dilmistas e petistas tenham arrasado o país,
jogando-o na maior depressão da história; o que importa para os MIs é que,
mesmo arrebentando tudo, eles portavam a bandeira mágica da revolução
imaginária que tudo justifica. Espanta-me a frivolidade desses protestos
abstratos. Os MIs não se permitem nem alguns meses da esperança de que se consertem
as contas públicas; destruíram-nas e não deixam consertá-las.
O militante imaginário se considera superior a todos nós,
reacionários e caretas.
O MI é uma alegoria de si mesmo; ele não é apenas um
indivíduo — ele é mais do que isso, ele é o autodeclarado embaixador do povo. O
militante imaginário se considera o sujeito da História, o cara que vai mudar o
rumo do erro; enquanto isso, a direita sabe que a História não tem sujeito; só
objeto (no caso o lucro).
Eles lutam pelo passado. São regressistas com toques
sebastianistas de paz no futuro e glória no passado. Eles têm uma espécie de
saudade de um mundo que já foi bom. Quando foi bom? Durante as duas guerras, no
stalinismo, quando?
Ou seja, eles têm saudade de um tempo em que se achava que o
mundo poderia vir a ser bom... É a saudade de uma saudade.
O MI acha que o mundo se divide em esquerda e direita — em
opressores e oprimidos. Qualquer outra categoria é instrumento dos
reacionários. O MI detesta contas, safras de grãos, estatísticas, tudo aquilo
que interessa à velha direita. Por isso, ela ganha sempre.
O militante imaginário não pode ser confundido com o
patrulheiro ideológico. Esse vigia os desvios dos outros. O MI brilha como um
exemplo a ser seguido. O MI só ama o todo.
Enquanto a direita só ama a “parte” (sua, claro), o MI nunca
leu “O Capital”; a direita também não, mas conhece o enredo. O MI vive falando
em “democracia”, mas não acredita nela. Como sempre, os MIs só defendem a
democracia como estratégia (“a gente apoia e depois esquece...”) .
Ultimamente, os MIs andam eufóricos — não precisam mais
governar e outras chateações administrativas. Agora, estão na doce condição de
vítimas. E por aí vão, se enganando, se sentindo maravilhosos guerreiros com
“boa consciência”, enquanto contribuem para a paralisia brasileira. É isso
aí...
O MI me lembra uma frase de Woody Allen que adoro:
“A realidade não tem sentido, mas ainda é o único lugar onde
ainda se pode comer um bom bife”.
O MI não quer bife.